"Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isso não tem importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado. "
(Shakespeare, Sonhos de Uma Noite de Verão)

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A mudança da língua frente a outras mudanças

Como posso começar a escrever? Parece-me uma tarefa árdua essa de colocar as palavras certas para expor o que penso. Escrever é algo que requer reflexão, requer silêncio, mas ao mesmo tempo requer o som. O som de uma música? O som de palavras proferidas a distância?
Demoro um pouco a descobrir, todavia é o som de meu próprio pensamento que ouço; ouço porque falo comigo mesma.
O que sinto hoje? O que sou? Não sou mais a mesma professora que iniciou este curso de "Alfabetização e Linguagem" pensando em encontrar fórmulas secretas para fazer meus alunos aprenderem a "escrever certo" e quem sabe até "falar certo".
E o que encontrei? Encontrei o caminho para corrigir a mim mesma. Corrigir a minha própria forma preconceituosa de pensar. Pensar que eu sendo professora era "dona do saber" e que meus alunos falantes de "língua materna" precisavam aprender a usar a língua portuguesa.
E o que aprendi? Já em tempo, eu aprendi que se eles são falantes de língua materna, então eles conhecem a língua que falam. Eu aprendi que a forma como falam é uma das variedades de língua, aquela que os linguístas chamam de linguagem coloquial.
E quanto a nós professores de língua portuguesa, fazemos uso somente da linguagem chamada padrão?
Quem é que nunca se pegou num momento de descontração com a família ou com amigos íntimos a usar "a gente vai" ou até "cê vai?", e não deixou de saber fazer uso da língua portuguesa. Acho até que somos bilíngues, pois sabemos fazer uso das duas modalidades de língua (padrão e coloquial).
E o quanto nos pesa o nome de "professores de português"! Na escola somos chamados a decifrar palavras difíceis que ninguém sabe o que é e logo já vem alguém dizer: "pergunte à professora de português". Não passa pela cabeça de outros professores que também temos dúvidas e que para esclarecê-las também recorremos ao dicionário. Não passa também pela cabeça deles e de muita gente que a noção de "erro" de que a escola tradicional sempre falou sempre esteve equivocada. Aprendi com Marcos Bagno que "a expressão 'erro comum' constitui do ponto de vista linguístico, uma contradição em termos: se é comum, não poderia ser qualificado de erro, mas simplesmente de uso comum, já que é a comunidade de falantes que, num trabalho constante com a língua e sobre a língua, vai empregando e recriando o idioma ao longo da história."
É isso mesmo! A língua que falamos hoje é uma "recriação", uma "evolução". Acho que a essa altura já deveríamos falar em uma língua brasileira, já que a língua portuguesa não tem dado conta dessa variedade de língua usada pelos falantes brasileiros.
E não há como frear as mudanças da língua que é viva e não estática. E o próprio Marcos Bagno diz: "Afinal, não só a língua mudou: mudaram também as mentalidades, os gostos, as modas, as formas de organização da sociedade, os modos de produção de vida material, os sistemas econômicos, os regimes políticos, os conhecimentos sobre o homem e a natureza etc. Não há porque esperar que só a língua (>norma > gramática) permaneça imóvel, inalterada e protegida das mudanças que afetam tudo o que diz respeito ao ser humano e à sua vida histórico-social."
E se muita coisa mudou, posso dizer que também mudei minha forma de ensinar. Claro que ainda tenho um longo caminho a percorrer, e para isso continuarei estudando e descobrindo novos caminhos para conseguir ensinar de uma forma que os alunos entendam que a escola dá-lhes a oportunidade de aprender uma língua com prestígio social.

Um comentário:

Professora Tamar Rabelo disse...

É isso aí, a escola oferece uma das possibilidades da língua e não "A Língua" perfeita, o seu texto está ótimo, assim como o seu blog, o qual tem se tornado referência. Parabéns, use o seu texto onde e como você quiser, ele é seu e está muito bom. Beijo, Tamar