Como posso começar a escrever? Parece-me uma tarefa árdua essa de colocar as palavras certas para expor o que penso. Escrever é algo que requer reflexão, requer silêncio, mas ao mesmo tempo requer o som. O som de uma música? O som de palavras proferidas a distância?
Demoro um pouco a descobrir, todavia é o som de meu próprio pensamento que ouço; ouço porque falo comigo mesma.
O que sinto hoje? O que sou? Não sou mais a mesma professora que iniciou este curso de "Alfabetização e Linguagem" pensando em encontrar fórmulas secretas para fazer meus alunos aprenderem a "escrever certo" e quem sabe até "falar certo".
E o que encontrei? Encontrei o caminho para corrigir a mim mesma. Corrigir a minha própria forma preconceituosa de pensar. Pensar que eu sendo professora era "dona do saber" e que meus alunos falantes de "língua materna" precisavam aprender a usar a língua portuguesa.
E o que aprendi? Já em tempo, eu aprendi que se eles são falantes de língua materna, então eles conhecem a língua que falam. Eu aprendi que a forma como falam é uma das variedades de língua, aquela que os linguístas chamam de linguagem coloquial.
E quanto a nós professores de língua portuguesa, fazemos uso somente da linguagem chamada padrão?
Quem é que nunca se pegou num momento de descontração com a família ou com amigos íntimos a usar "a gente vai" ou até "cê vai?", e não deixou de saber fazer uso da língua portuguesa. Acho até que somos bilíngues, pois sabemos fazer uso das duas modalidades de língua (padrão e coloquial).
E o quanto nos pesa o nome de "professores de português"! Na escola somos chamados a decifrar palavras difíceis que ninguém sabe o que é e logo já vem alguém dizer: "pergunte à professora de português". Não passa pela cabeça de outros professores que também temos dúvidas e que para esclarecê-las também recorremos ao dicionário. Não passa também pela cabeça deles e de muita gente que a noção de "erro" de que a escola tradicional sempre falou sempre esteve equivocada. Aprendi com Marcos Bagno que "a expressão 'erro comum' constitui do ponto de vista linguístico, uma contradição em termos: se é comum, não poderia ser qualificado de erro, mas simplesmente de uso comum, já que é a comunidade de falantes que, num trabalho constante com a língua e sobre a língua, vai empregando e recriando o idioma ao longo da história."
É isso mesmo! A língua que falamos hoje é uma "recriação", uma "evolução". Acho que a essa altura já deveríamos falar em uma língua brasileira, já que a língua portuguesa não tem dado conta dessa variedade de língua usada pelos falantes brasileiros.
E não há como frear as mudanças da língua que é viva e não estática. E o próprio Marcos Bagno diz: "Afinal, não só a língua mudou: mudaram também as mentalidades, os gostos, as modas, as formas de organização da sociedade, os modos de produção de vida material, os sistemas econômicos, os regimes políticos, os conhecimentos sobre o homem e a natureza etc. Não há porque esperar que só a língua (>norma > gramática) permaneça imóvel, inalterada e protegida das mudanças que afetam tudo o que diz respeito ao ser humano e à sua vida histórico-social."
E se muita coisa mudou, posso dizer que também mudei minha forma de ensinar. Claro que ainda tenho um longo caminho a percorrer, e para isso continuarei estudando e descobrindo novos caminhos para conseguir ensinar de uma forma que os alunos entendam que a escola dá-lhes a oportunidade de aprender uma língua com prestígio social.
"Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isso não tem importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado. "
(Shakespeare, Sonhos de Uma Noite de Verão)
(Shakespeare, Sonhos de Uma Noite de Verão)
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Um comentário:
É isso aí, a escola oferece uma das possibilidades da língua e não "A Língua" perfeita, o seu texto está ótimo, assim como o seu blog, o qual tem se tornado referência. Parabéns, use o seu texto onde e como você quiser, ele é seu e está muito bom. Beijo, Tamar
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